A obra do maior estudioso do sertão em território potiguar está finalmente reunida: a coleção “O Sertão de Oswaldo Lamartine” será lançada nesta sexta-feira, às 16h, no auditório da reitoria da UFRN. A publicação faz parte das comemorações dos 60 anos da Editora da UFRN. A publicação consiste na reedição de um conjunto de livros em cinco volumes, nos quais Oswaldo Lamartine de Faria (1919-2007) destrincha com erudição, objetividade e sensibilidade, os hábitos, costumes e tradições do velho mundo sertanejo. A coleção pode ser baixada gratuitamente no repositório da UFRN. Já a tiragem impressa será destinada às bibliotecas.
O critério para a organização da coleção foi o foco nos livros. “Se a gente incluísse artigos, cartas, e outros textos soltos que ele escreveu, seria mais difícil fazer uma obra com unidade, então optamos por focar nos livros”, explica o jornalista Vicente Serejo, que organizou a publicação junto com Graco Aurélio Melo Viana e Helton Rubiano. Amigo íntimo de Lamartine, Serejo também é possuidor da obra completa do escritor, e foi orientado pelo próprio sertanista sobre como proceder com as publicações do material após a sua morte.
A coleção traz as belas capas e ilustrações feitas por Newton Navarro, acrescida de textos de outros mestres sobre a importância de Lamartine, como Rachel de Queiroz, Ariano Suassuna, e Virgílio Maia. Outra peculiaridade da coleção está no quinto volume, que apresenta três discursos importantes que também ajudam a entender o autor: um é o do reitor Ivonildo Rêgo quando outorgou o título de Doutor Honoris Causa a Oswaldo, o discurso de Vicente Serejo, e o do próprio Lamartine, agradecendo a honraria.
Os cinco volumes funcionam como um detalhista documentário o sertão nordestino, “uma civilização antiga que está morrendo”, segundo Serejo. “Esses textos documentam a vida de nossos ancestrais, é um registro precioso de nossos traços culturais mais marcantes, da nossa identidade”, afirma o jornalista. É uma obra de escrita embasada, profunda e ao mesmo tempo sentimental sobre os interiores nordestinos. Os costumes, as tradições, a geografia, vestuário, alimentação, o modo de vida: tudo que identifica o sertanejo foi estudado por Lamartine.
Volume a volume
No primeiro volume da coleção, Oswaldo Lamartine escreveu sobre a caça nos sertões do Seridó; algumas abelhas do sertão do Seridó: notas de carregação; e conservação de alimentos nos sertões do Seridó. No volume dois da coleção, o escritor discorre sobre o “ABC” da pescaria nos açudes do Seridó, e os açudes dos sertões do Seridó.
O terceiro volume traz Lamartine destrinchando informações sobre encouraçamento e arreios do vaqueiro do Seridó; ferro de ribeiras do Rio Grande do Norte; e apontamentos sobre a faca de ponta. No volume quatro, o assunto é o vocabulário do criatório (de gado) norte-rio-grandense. E no quinto volume, além dos discursos da solenidade de Honoris Causa, traz o texto sobre os alpendres do Acauã – sua fazenda favorita, em Acari.
Serejo explica que o único livro que ficou de fora da coleção, por desejo do próprio Oswaldo Lamartine, foi o “Uns fesceninos”, lançado em 1970, uma compilação de poemas eróticos nordestinos, registro de “escárnio” popular e “lírica obscena”, como definiu o autor. “Por ser um livro de conteúdo erótico, Oswaldo preferiu que a obra não fosse submetida a nenhum tipo de financiamento público”, diz.
Vicente Serejo conheceu Lamartine na década de 80, período em que o escritor morava no Rio de Janeiro, mas estava sempre fazendo a ponte aérea com o Rio Grande do Norte. Quando estava em território potiguar, nunca deixava de visitar o amigo Hélio Galvão, em Tibau do Sul, outro escritor importante da história do estado.
“Quando eu ia ao Rio de Janeiro, também sempre o encontrava por lá. Nos tornamos bons amigos, e estávamos sempre nos comunicando por cartas e telefone. Nesse processo de amizade, eu me tornei uma das pessoas que ele escolheu para confiar suas obras originais, cuidar da preservação e organização delas”, conta.
O jornalista se considera muito feliz por ter enfim realizado o desejo do velho amigo sobre a reunião de sua obra. “Mais que uma amizade, também foi aprendizado. Ele foi um professor, aprendi muito sobre as nuances do sertão, sobre a alma desse território que é tão significativo para nós”, afirma. Serejo ressalta que a própria aparência da coleção reflete a presença de Lamartine que, segundo ele, era um homem “monástico”. “Um cara inteligentíssimo, culto, mas despojado, sem luxos. A coleção que a EDUFRN é assim também, simples mas com muito conteúdo, é um reflexo de seu auto”, analisa.
No alpendre
Oswaldo Lamartine nasceu em Natal, filho de Silvina Bezerra de Faria e do ex-governador Juvenal Lamartine. Em 1940, formou-se na Escola Superior de Agricultura de Lavras. Administrou fazendas no interior de vários estados. Foi técnico do Banco do Nordeste, professor da Escola Doméstica e do Colégio Agrícola de Jundiaí. Também atuou como pracinha durante a Segunda Guerra Mundial.
Depois do período no Rio de Janeiro, Lamartine refugiou-se na Fazenda Acauã, onde morou até novembro de 2005. No alpendre da velha casa-grande, escrevia suas detalhistas pesquisas sobre açudes, abelhas, caça, conservação de alimentos, e as facas de pontas. Estudioso das coisas do sertão do Seridó, região que abarca suas raízes, publicou obras fundamentais sobre a cultura sertaneja, como “Notas de Carregação”, “Apontamentos sobre a Faca de Ponta”, “A Caça nos Sertões do Seridó”, “Conservação de Alimentos do Sertão do Seridó”.
“Oswaldo nunca foi um antropólogo, mas um observador culto e apaixonado. Ele estudava o homem como centro da civilização nordestina. Ele decalcou cada elemento dessa vivência”, declarou Serejo.
Serviço:
Lançamento da coleção “O Sertão de Oswaldo Lamartine”. Sexta, às 16h, no auditório da reitoria da UFRN. Link para baixar:
https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/45954
Tribuna do Norte