Quincy Jones, o homem conhecido simplesmente como Q, foi uma grande influência na música norte-americana em seu trabalho com artistas que vão de Count Basie a Frank Sinatra. Ele reformulou a música pop em suas colaborações com Michael Jackson.
De acordo com o seu assessor, Arnold Robinson, Jones morreu no domingo (3) à noite, na sua casa, no bairro de Bel Air, em Los Angeles, rodeado pela família. Ele tinha 91 anos.
Houve muito pouco que Jones não fez em uma carreira musical de mais de 65 anos. Ele foi trompetista, líder de banda, arranjador, compositor, produtor e ganhador de 27 prêmios Grammy.
Viciado em trabalho de estúdio e virtuoso em lidar com egos delicados, ele deu forma a gravações de grandes nomes do jazz, como Miles Davis, produziu Sinatra e montou o conjunto de superestrelas que gravou “We Are the World“, em 1985, o maior sucesso da época.
Jones também foi um prolífico escritor de trilhas sonoras para filmes e coproduziu o filme A Cor Púrpura, bem como o programa de televisão dos anos 90 Um Maluco no Pedaço, que lançou a carreira de Will Smith.
O círculo de amigos de Jones incluía algumas das figuras mais conhecidas do século 20. Ele jantou com Pablo Picasso, conheceu o papa João Paulo II, ajudou Nelson Mandela a comemorar seu 90º aniversário e uma vez se retirou para a ilha de Marlon Brando, no Pacífico Sul, para se recuperar de um colapso.
Tudo o que ele fazia era marcado por seu estilo universal e inegável. Bono, líder do U2, chamou Jones de “a pessoa mais legal que já conheci”.
As realizações mais duradouras de Jones foram em colaboração com Michael Jackson. Eles fizeram três álbuns marcantes – Off the Wall, em 1979, Thriller, em 1982, e Bad, em 1987 – que mudaram o cenário da música pop norte-americana. Thriller vendeu cerca de 70 milhões de cópias e seis das nove músicas do álbum se tornaram os 10 melhores singles.
Quincy Delight Jones Jr. nasceu em 14 de março de 1933, em Chicago. Quando menino, ele desejava ser um gângster como os que via em seu complicado bairro. Ele tinha sete anos quando sua mãe foi levada para uma instituição mental. Seu pai, um carpinteiro, casou-se novamente e transferiu a família para Bremerton, no estado de Washington, onde Quincy seguiu uma vida de pequenos delitos.
Quincy disse que seu interesse pela música floresceu em Bremerton, quando ele e alguns amigos encontraram um piano depois de entrarem sorrateiramente no centro comunitário de um conjunto habitacional segregado da época da guerra onde moravam.
Ele experimentou diferentes instrumentos na banda da escola antes de se decidir pelo trompete e, aos 13 anos, tocava jazz, música popular e rhythm-and-blues em casas noturnas. Aos 14 anos, em Seattle, conheceu Ray Charles, de 16 anos, ainda não famoso, que o ensinou a fazer arranjos e compor músicas.
Basie e o trompetista Clark Terry também foram mentores do jovem Jones e ele ganhou uma bolsa de estudos para o que viria a ser a Berklee School of Music, em Boston. No entanto, desistiu da bolsa para ir para a estrada com a banda de Lionel Hampton como trompetista adolescente no início dos anos 1950.
“A música era a única coisa que eu podia controlar”, escreveu Jones em sua autobiografia. “Era o único mundo que me oferecia liberdade… Eu não precisava procurar respostas. As respostas não estavam além do sino do meu trompete e de minhas partituras rabiscadas a lápis. A música me tornou pleno, forte, popular, autoconfiante e descolado”, disse tempos depois.
No final da década de 1950, o artista participou de turnês pelo mundo patrocinadas pelo governo dos Estados Unidos com uma banda organizada pelo pioneiro do jazz bebop Dizzy Gillespie. Em seguida, liderou sua própria banda pela Europa. No início da década de 1960, ele estava muito endividado quando aceitou um emprego na Mercury Records, em Nova York, tornando-se um dos primeiros executivos negros em uma gravadora de propriedade de brancos.
Lá, Jones se aventurou a sair do gênero jazz e produziu seu primeiro single de sucesso – It’s My Party – uma música de Lesley Gore que chegou ao topo da parada pop dos EUA em 1964.
Os puristas do jazz o consideraram um vendido por fazer música pop, mas Jones disse mais tarde à Rolling Stone: “A motivação subjacente de qualquer artista, seja ele Stravinsky ou Miles Davis, é fazer o tipo de música que deseja e ainda assim fazer com que todos a comprem”.
Na Mercury, Jones conseguiu seu primeiro trabalho de trilha sonora de filme – O Homem do Prego -, de Sidney Lumet. Ele passou a fazer a trilha sonora de quase 40 filmes, incluindo No Calor da Noite, A Sangue Frio, O Ouro de Mackenna, O Mágico Inesquecível e parte da minissérie de televisão Raízes.
As pessoas com quem Jones trabalhou preencheriam um hall da fama do jazz ou do R&B: Basie, Gillespie, Tommy Dorsey, Dinah Washington, Nat King Cole, Sarah Vaughan, Aretha Franklin. Mas ele também produziu em outros gêneros com, entre outros, Paul Simon, Amy Winehouse, Barbra Streisand e Donna Summer.
Ele fez o arranjo do sucesso de Sinatra – Fly Me to the Moon -, que o astronauta Buzz Aldrin tocou em uma fita cassete durante o primeiro pouso na lua em 1969. Anos depois, Jones disse à revista GQ que Sinatra “me ligou e parecia uma criança: “Temos a primeira música na lua, cara!”
Suas próprias gravações foram igualmente ecléticas, variando do jazz ao soul, do africano ao brasileiro. Em 1991, seu disco Back on the Block ganhou o Grammy de álbum do ano e também Grammys nas categorias rap, rhythm and blues, jazz fusion e instrumental.
O trabalho de Jones com Michael Jackson foi histórico, embora a gravadora de Jackson inicialmente achasse que Jones era muito jazzístico para ser seu produtor. Começaram em 1979 com Off the Wall, depois que o cantor se separou de seus irmãos do Jackson 5 e montou uma mistura de faixas dançantes e baladas. O álbum apresentou quatro músicas que se tornaram os 10 maiores sucessos.
Sua colaboração em 1982 – Thriller – tornou-se um marco cultural da década de 1980. Jones e Michael Jackson queriam ampliar a base de fãs do cantor e, por isso, acrescentaram elementos de rock, fazendo com que o guitarrista Eddie Van Halen tocasse um solo explosivo em Beat It, que se tornou um dos maiores sucessos de Michael Jackson. Complementado por vídeos deslumbrantes que apresentavam a dança hipnotizante do cantor no momento em que a MTV estava amadurecendo, Thriller transformou o artista em uma das maiores estrelas do mundo.
Sucessos como Beat It, Billie Jean e a música título fizeram de Thriller o álbum mais vendido de todos os tempos. O álbum ganhou três Grammys para Jones e sete para Michael Jackson.
Depois disso, em 1987, lançaram Bad, que teve cinco sucessos número 1, incluindo Smooth Criminal e Man in the Mirror.
Em 1985, Jones, Michael Jackson e o cantor Lionel Richie organizaram We Are the World, um disco para arrecadar dinheiro para combater a fome na Etiópia. O enorme coro de estrelas contou com a participação de Ray Charles, Bob Dylan, Diana Ross, Bruce Springsteen e Smokey Robinson. Jones deu o tom da sessão de gravação com um cartaz que dizia: “Deixe seu ego na porta”.
Michael Jackson morreu em 2009, e Jones posteriormente processou o espólio do cantor, alegando que foi “enganado em muito dinheiro” em royalties. Em julho de 2017, um júri de Los Angeles concedeu a Jones 9,4 milhões de dólares.
Jones criou sua própria gravadora, a Qwest, bem como a Vibe, uma revista que cobria o mundo do hip-hop, e teve várias fundações e projetos humanitários.
Ele continuou lançando novos projetos bem depois da idade tradicional de aposentadoria. Em 2018, Jones, com 84 anos, disse à revista GQ: “Nunca estive tão ocupado em minha vida”.
Jones foi casado três vezes. Sua primeira esposa foi Jeri Caldwell, sua namorada do ensino médio, com quem teve uma filha; sua segunda esposa foi a modelo sueca Ulla Andersson, com quem teve dois filhos, incluindo Quincy 3º, que se tornou produtor de hip-hop.
Sua terceira esposa foi a atriz de Mod Squad, Peggy Lipton, com quem teve duas filhas, incluindo a atriz Rashida Jones. Ele teve outros dois filhos fora de seus casamentos, incluindo um com a atriz Nastassja Kinski.
Agência Brasil