A morte do líder mercenário Ievguêni Prigojin, 62, chefe do Grupo Wagner, foi confirmada neste domingo 27 por análise genética, segundo autoridades russas. Ele estava em um avião que caiu perto de Moscou na quarta 23, exatos dois meses após comandar um motim contra a cúpula militar de Vladimir Putin.
Segundo o Comitê de Investigação russo, após uma análise genética molecular, os peritos concluíram que as amostras de DNA correspondem com as dos passageiros que constavam na lista de embarque. Além de Prigojin, outras nove pessoas morreram, incluindo Dmitri Utkin, 53, número dois do Grupo Wagner.
O governo russo não informou se pretende realizar um funeral. Ao ser questionado sobre o tema na sexta 25, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, desconversou, limitando-se a dizer que a agenda de Putin estava “bastante ocupada”.
O caso aumenta a lista de mortes em circunstâncias suspeitas ou misteriosas na Rússia desde o início da Guerra da Ucrânia, em fevereiro de 2022. Generais e ao menos 12 empresários de destaque morreram em circunstâncias trágicas. Os óbitos são atribuídos a doenças, suicídios ou acidentes, mas, segundo críticos do Kremlin, podem ser assassinatos disfarçados.
Após a queda do avião, políticos ocidentais sugeriram, sem apresentar provas, que Putin ordenou a morte de Prigojin em vingança ao motim lançado contra a liderança do Exército russo em junho, no maior desafio imposto ao presidente desde que ele chegou ao poder, em 1999. Os mercenários marcharam em direção a Moscou e só pararam após mediação do ditador da Belarus, Aleksandr Lukachenko.
Putin oscilou no caso, chamando os mercenários de traidores em um primeiro momento e, depois, os perdoando. Ninguém foi preso ou punido oficialmente apesar da morte de 12 soldados russos em combate com os rebeldes, que abateram helicópteros e um avião. Cinco dias após a crise, o presidente russo encontrou Prigojin para ouvir suas razões. Detalhes do episódio, porém, continuam obscuros.
Após o motim, o Kremlin anunciou que o Grupo Wagner deixaria de receber fundos públicos e não poderia trabalhar na Rússia, mas que poderia manter seus contratos em outros países. Em vídeo divulgado um dia antes da queda do avião, Prigojin aparentava estar na África e falava do orgulho de levar a força da Rússia para o continente, embora não fosse possível verificar de quando era a gravação.
Na última sexta Peskov, rebateu as acusações de que o governo russo planejou o assassinato do mercenário, descrevendo-as como falsas. “Há muita especulação em torno deste acidente de avião e das trágicas mortes dos passageiros, incluindo Prigojin. É claro que, no Ocidente, toda a especulação é apresentada de um ângulo bem conhecido”, disse. “Tudo isso é uma mentira […]. Precisamos nos basear em fatos. Ainda não há muitos fatos. Eles precisam ser apurados no decorrer das ações investigativas.”
Antes, na quinta 24, Putin fez um pronunciamento sobre a queda do avião, durante o qual ofereceu condolências e disse que Prigojin havia “cometido sérios erros”. Depois, o Kremlin publicou em seu site uma ordem para que os combatentes mercenários assinem um juramento de lealdade ao Estado russo.
Autoridades da Rússia iniciaram uma investigação sobre o incidente com o avião, mas ainda não informaram as suspeitas sobre os motivos da queda repentina. O governo dos Estados Unidos descartou que a queda tenha sido causada por um míssil lançado do território russo. A partir da análise de dados de navegação e de um vídeo mostrando parte do incidente, porém, especialistas apontam um evento catastrófico a bordo, que avariou severamente a aeronave em voo.
O jato executivo Embraer Legacy 600 que transportava os mercenários voava normalmente de Moscou a São Petersburgo até os 32 segundos finais da rota, em que a aeronave ficou instável e caiu na região de Tver, 160 km a noroeste da capital russa.
O Legacy 600 é um avião considerado muito seguro, e este foi o primeiro incidente com mortos a bordo de um desses modelos em mais de 20 anos de uso e quase 300 unidades fabricadas. Antes, um jato comprado por americanos colidiu no ar com um Boeing-737 da Gol em 2006, causando a queda do avião comercial e a morte de 154 passageiros o Legacy conseguiu pousar.
A apuração da queda poderia envolver a Embraer, que de todo modo não prestava serviço à aeronave desde que ela entrou numa lista de sanções americanas em 2019. Só que a Rússia ainda não fez uma comunicação, que deveria ser de praxe, ao governo brasileiro pedindo a assistência.
O Grupo Wagner chegou a ter 50 mil soldados durante a Guerra da Ucrânia, segundo líderes da organização. Os mercenários foram responsáveis pela tomada da cidade de Bakhmut, no leste ucraniano, após conflitos sangrentos que duraram meses. Depois, o Ministério da Defesa da Rússia emitiu uma ordem para enquadrar os grupos mercenários a serviço do país sob seu controle. Na ocasião, o Wagner recusou os contratos formais e abriu uma nova crise com a pasta comandada por Serguei Choigu.
Conhecido como “chef de Putin”, por ter fornecido serviços de alimentação ao governo russo, Prigojin comandava o Grupo Wagner desde 2014. A organização atuou na anexação da península da Crimeia e passou a vender seus serviços a diversos países africanos e à Síria.
Em 2022, na Guerra da Ucrânia, os contratos oficiais do grupo chegaram a US$ 1 bilhão (R$ 4,87 na conversão atual), segundo Putin.
Prigojin ficou conhecido pela crueldade e tinha como marca uma marreta usada para executar inimigos e desertores. Também se notabilizou pelo uso de documentos falsos e de vários disfarces.
O Wagner aumentou o contingente empregando condenados. O recrutamento de detentos, interessados em indultos, é criticado por organizações de direitos humanos, mas foi essencial para a estratégia de Moscou na guerra. As vitórias, porém, tiveram um custo para o presidente Putin, que viu o antagonismo entre a sua cúpula de Defesa e o líder mercenário se acentuar cada vez mais.
Prigojin dizia que os mercenários eram boicotados pela cúpula militar russa e, com frequência, divulgava vídeos em que fazia cobranças. Em maio, ele divulgou uma gravação em que aparece cercado de cadáveres e alerta para as baixas sofridas pelo grupo, o que definiu como “sem sentido” e “injustificadas”. “Choigu! Gerasimov! Onde está a merda da munição?”, grita ele, referindo-se ao ministro da Defesa, Serguei Choigu, e ao chefe do Estado-Maior, Valeri Gerasimov. A crise culminou no motim de junho.
Questionado após a queda do avião sobre o futuro do Wagner, que ainda tem uma série de contratos na África, o porta-voz do Kremlin, Peskov, foi conciso. “Não posso contar nada agora, não sei”, disse ele.
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
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