Vinte e quatro horas depois que o terremoto de magnitude 6.8 destruiu parte do antigo kasbah de Marrakech, a cidade antiga que é Patrimônio Mundial da Unesco, poucos dos 14 mil moradores já tinham conseguido dormir.
Os amigos Belameur Kamal, 23, e Amine el Mssiehe, 24, estavam falando de futebol na frente da enorme mesquita Moulay el Yazid, às 23h11 (19h11 no Brasil) de sexta-feira 8, quando a construção começou a rasgar a partir do alto. Pedaços da obra erguida entre 1185 e 1190 explodiam nas ruas, e os muros se dividiam ao meio até a nova fenda encontrar uma janela, cuspindo seu batente no chão.
“Foram 40 segundos tremendo tudo. A gente estava sentado em cima das motos e fomos jogados no chão”, conta Kamal, que passou por um sismo em 2004 quando estava na escola. Na ocasião, porém, sua carteira e a de seus colegas apenas tremeu por cinco segundos.
Desta vez, há pelo menos 51 mortos na cidade. Contando as vilas adjacentes, os números são bem mais assustadores: 2.012 pessoas mortas e 2.059 feridos, segundo contagem mais atualizada do Ministério do Interior, fazendo deste o terremoto mais letal no país em 63 anos.
Entre o aeroporto cheio de turistas deitados aguardando voos e o kasbah de Marrakech, milhares de pessoas estavam acampadas nas ruas, principalmente em volta de áreas verdes e longe de muros.
Para chegar ao hotel bem no meio da cidade antiga, a reportagem precisou da ajuda de marroquinos para carregar pedras e remover pedaços de parede de forma que o carro pudesse passar pelas vielas. Não havia internet, postes de luz falhavam e a poeira levantada pelo terremoto ainda cobria os famosos gatos de Marrakesh eles estão em cada esquina, e agora também sobre os escombros.
O terremoto ocorreu em Ighil, nas montanhas do Alto Atlas, cerca de 70 quilômetros a sudoeste de Marrakech, a uma profundidade de 18,5 quilômetros, às 23h11 no horário local (19h11 em Brasília). De acordo com as autoridades, as mortes se concentram nas províncias e municípios de Al Hauz, Marrakech, Uarzazat, Azilal, Chichaoua e Tarudant. Vídeos compartilhados nas redes sociais mostram cenários de devastação.
Neste sábado 9, o governo do Marrocos declarou luto oficial durante três dias. As Forças Armadas anunciaram que enviarão mantimentos, barracas e cobertores para as áreas afetadas.
“A terra tremeu por cerca de 20 segundos. As portas se abriram e fecharam sozinhas enquanto eu descia correndo do segundo andar”, disse à agência de notícias Reuters Hamid Afkir, professor em uma área montanhosa a oeste do epicentro, perto da cidade de Taroudant.
A vice-governadora do Ceará, Jade Romero, e o vice-governador do Rio Grande do Sul, Gabriel Souza, estavam em Marrakech com suas respectivas comitivas para o Encontro Mundial de Geoparques. “Toda nossa comitiva do Governo do Estado do Ceará está bem e em local seguro”, afirmou Romero pelo X, antigo Twitter. A equipe de Souza também está protegida e deve retornar ao Brasil neste sábado 9, de acordo com a assessoria do político.
O Itamaraty informou que não há notícias de brasileiros mortos ou feridos até o momento.
“A população nessa região vive em estruturas altamente vulneráveis a abalos sísmicos”, afirmou o Serviço Geológico dos Estados Unidos, que estimou a magnitude do terremoto em 6.8. O centro geofísico do Marrocos, por sua vez, disse que o terremoto teve magnitude de 7.2.
Segundo o instituto americano, o tremor já é o mais letal no país desde 1960, quando um sismo provocou a morte de 12 mil pessoas.
Pessoas na capital, Rabat, e na cidade costeira de Imsouane, ambas perto do epicentro, também fugiram de suas casas com medo de um terremoto mais forte, segundo testemunhas da Reuters.
Montasir Itri, morador da vila de Asni, disse que a maioria das casas foi danificada. “Nossos vizinhos estão sob os escombros, e as pessoas estão trabalhando duro para resgatá-los usando os meios disponíveis.”
Marrocos frequentemente experimenta terremotos em sua região norte devido à sua localização entre as placas africana e euroasiática.
Em 2004, pelo menos 628 pessoas morreram e 926 ficaram feridas quando um terremoto atingiu Alhucemas, no nordeste do país.
Em 1980, o terremoto em El Asnam, na Argélia, com uma magnitude de 7.3, foi um dos terremotos mais destrutivos da história contemporânea. Resultou na morte de 2.500 pessoas e deixou pelo menos 300 mil pessoas desabrigadas.
IVAN FINOTTI
MARRAKECH, MARROCOS (FOLHAPRESS)
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