A procuradora-geral do estado de São Paulo, Inês Coimbra, primeira mulher negra a ocupar o cargo, defendeu, nessa quinta-feira (7), que as redes sociais no Brasil sejam reguladas. “Se a gente tem várias relações interpessoais acontecendo lá e se elas são reguladas fora do ambiente digital, não há motivo para não serem reguladas dentro”, afirmou em entrevista à Agência Brasil. A chefe do Ministério Público Estadual foi uma das conferencistas do festival Rec´n´Play, evento de tecnologia que ocorre no Recife (PE) até este sábado (9).
Inês Coimbra argumentou que as redes não podem representar uma arena que as pessoas possam invadir livremente, sem nenhuma responsabilidade. “Há pessoas que falam que são contra a regulação da redes por causa de ‘liberdade de expressão’. Mas, se não se sabe como os algoritmos funcionam, você não é livre”, afirmou. Isso porque, segundo ela, a pessoa sendo condicionada a receber informações por fontes que não conhece, acaba sendo “refém” de determinadas opiniões e informações.
Inês criticou a falta de transparência desse processo, que faria com que a sociedade vivesse em “bolhas”, sem diálogo com quem pensa diferente. “Acho que seria muito importante abrir a lógica dos algoritmos. Esse é um dos problemas que a gente tem em ser livre”, acrescentou.
Ela entende que a legislação brasileira está avançada e permite criminalizar, por exemplo, o racismo que ocorre no âmbito da internet, embora considere que são temas novos para os aplicadores da Justiça. “A própria implementação do título penal do racismo é nova. Nas redes sociais, ainda mais”.
A procuradora também defende a regulação das tecnologias de inteligência artificial, mas sem que “engesse” ou “iniba” a inovação. “Tem que ser com cautela. A calibragem é muito importante, mas não acho que deva ser um espaço destituído de regulação na medida em que se tem diversas relações interpessoais”.
Ainda a respeito das ferramentas de inteligência artificial, ela diz que existe preocupação com o uso dos dados dos brasileiros sem autorização e a “importação” de ferramentas sem considerar a realidade brasileira, incluindo o reconhecimento facial. “É preciso ter cautela na hora de usar, mas acho que, no sistema de Justiça, ainda está incipiente”. Ela concorda que os países europeus estão mais atentos e preocupados do que o Brasil.
Inês lembra que, na Justiça, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, tem procurado avançar e dialogar com as corporações de tecnologia. “Estão prometendo a ele o desenvolvimento de algumas IAs generativas para ajudar na desjudicialização, no volume imenso de processos que o Judiciário enfrenta”. Ela diz que a procuradoria também tem buscado ferramentas para auxílio. “No setor público, de forma geral, acho ainda bastante incipiente. Mas é uma preocupação, especialmente os vieses (como os ideológicos), que as ferramentas podem potencializar”.
Para a procuradora, o sistema de Justiça tem o problema de estar sempre dois passos atrás nas questões sociais. “Não consegue fazer de trás para a frente. E, se fizer, cria legislações que não têm legitimidade”. Ela citou o exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que considera uma legislação muito avançada, mas estaria “desconectada” da realidade.
Inês reafirmou a preocupação com a desinformação (as fake news). Mesmo sem a aprovação pelo congresso de lei sobre o tema, ela entende que já existe mais possibilidades de enfrentar o problema. “Mas o difícil é a contenção do dano que isso causa. Então, apesar de você poder depois, eventualmente, buscar reparação, é muito difícil mensurar o dano”. Ela concorda, por exemplo, que a campanha à prefeitura de São Paulo ocorreu de forma “bastante violenta”. “Foi um exemplo de como a gente precisa pensar cada vez mais nessa regulação”.
Em sua palestra, a procuradora explicou que é filha de mãe solo e que passou a encontrar, aos poucos, os caminhos para as lutas contra machismo e racismo. Defendeu a necessidade de mais diálogo entre pessoas que pensam de forma diferente. “A gente tem construído muitos muros. E tenho uma preocupação muito grande com a militância de lacração porque ela é muito satisfatória, mas transforma muito pouco”.
Inês recorda que quando assumiu a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, disse aos governadores Ricardo Garcia (que a nomeou em 2022) e Tarcísio de Freitas (que a manteve no cargo no ano seguinte) que usaria espaços para fazer militância em equidade racial e de gênero.
Segundo ela, eles apoiaram a pauta. No primeiro concurso para a procuradoria, realizado neste ano, houve inédita reserva de cotas para negros e indígenas (30% de vagas). “Quando fui discutir isso com a carreira, encontrei mais resistência do que imaginei. Não escancarada, mas velada. A diversidade, para mim, é questão de eficiência”.
*O repórter viajou a convite do Porto Digital
Agência Brasil