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Julie-Cavignac FOTO DD

O trabalho de Cavignac explora as expressões culturais e a memória dos grupos sociais historicamente marginalizados no Brasil, analisando como essas tradições moldam identidades e criam resistências ao apagamento histórico. Desde o início dos anos 2000, a antropóloga se dedica a temas como a titulação de comunidades quilombolas, o impacto do turismo em territórios tradicionais e a resistência cultural expressa por meio de rituais, danças e práticas alimentares. Em Sibaúma e Boa Vista, comunidades quilombolas do Rio Grande do Norte, o trabalho dela incentiva a valorização de práticas culturais consideradas tradicionais, que encontram uma nova relevância nas demandas por direitos territoriais e reconhecimento social.

Essas investigações ganharam contornos de projeto social em 2012, quando Cavignac idealizou o programa de extensão Tronco, Ramos e Raízes, destinado a ações patrimoniais no Seridó. A iniciativa visa combater o racismo e promover a educação patrimonial, com atividades que vão desde oficinas e exposições itinerantes até a criação de um museu virtual  da UFRN, em parceria com as comunidades. 

Cavignac conta com uma equipe de professores e estudantes, envolvendo também agentes culturais, lideranças locais e jovens quilombolas, para registrar e preservar o patrimônio cultural da região. O projeto estimula o fortalecimento das tradições afrodescendentes e indígenas, e tornou-se um dos programas de extensão mais significativos da Universidade, apesar dos desafios financeiros dos últimos anos.

Em suas investigações mais recentes, Cavignac amplia o campo de estudo para uma comparação entre o patrimônio imaterial do Brasil e da França, com foco nas práticas culinárias e rituais que são  marcadores de identidade. No Seridó e na região da Gironde, onde a pesquisadora nasceu, investiga o impacto do turismo e da patrimonialização nos saberes locais, com especial atenção aos saberes gastronômicos e aos efeitos do reconhecimento dessas tradições pelas agências oficiais e para o mercado turístico. “O passado está escondido nas tradições cotidianas”, observa. Cavignac acredita que o estudo das práticas culinárias e dos rituais populares permite compreender a resistência dos grupos sociais que transformam cultura em elemento de afirmação identitária, mesmo diante das pressões de um mundo cada vez mais globalizado.

Ao analisar temas como alimentação, memória e religiosidade em contextos etnográficos distintos, Cavignac abre novas perspectivas para a antropologia. Sua abordagem valoriza o conhecimento empírico e as práticas de transmissão de saberes, desvendando o processo pelo qual comunidades afrodescendentes e indígenas reinterpretam e atualizam suas tradições. A premiação da Propesq reconhece, não apenas a trajetória acadêmica de Julie Cavignac, mas a relevância de sua contribuição para o entendimento de uma antropologia do patrimônio, um campo em crescimento que busca interpretar o valor cultural e político das práticas tradicionais.

Antropóloga que reinterpreta tradições

Natural de Bordeaux, na França, Julie Cavignac encontrou sua vocação ao se deparar com a música e a cultura brasileira ainda nos anos 80. Formada pela Université de Bordeaux 2 e com mestrado pela Universidade de Paris 10 – Nanterre, Cavignac veio para o Brasil pela primeira vez em 1988, onde iniciou uma trajetória de estudo sobre as expressões culturais do Nordeste, interessando-se especialmente pela importância da oralidade no contexto da literatura popular. Durante seu doutorado, ela reuniu e analisou mais de 500 folhetos de cordel e romances populares, buscando entender as relações entre oralidade e escrita no sertão brasileiro, uma área que na época carecia de estudos aprofundados.

Na UFRN, desde o início dos anos 90, Cavignac se dedicou a investigar a memória social e o patrimônio imaterial, com um interesse crescente nas questões étnicas e na tradição oral. Entre as principais contribuições da pesquisadora, destaca-se o estudo sobre as narrativas históricas que evocam a presença indígena no Rio Grande do Norte, questionando a ideia  dominante de que as populações indígenas foram eliminadas do território. Ela identificou nas narrativas locais, o que chamou de “ponto de vista dos vencidos”, trazendo à tona as vozes indígenas e afrodescendentes que persistem na memória coletiva e nas tradições culturais.

Aos jovens pesquisadores, Julie aconselha não desistir de seus sonhos e continuar na luta pela valorização da pesquisa e do conhecimento científico. Em uma trajetória que reflete as complexidades da vida acadêmica e o compromisso com as causas sociais, Cavignac continua explorando as fronteiras da antropologia, inspirada pela riqueza das culturas que investiga.

Docentes vencedores do Prêmio Pesquisador Destaque: Raimundo, Julie e Rosangela. Foto: Cícero Oliveira

O prêmio

O Prêmio Pesquisador Destaque tem como objetivo reconhecer pesquisadores, que sejam docentes efetivos na UFRN com, no mínimo, dez anos de atividade na instituição, que tenham apresentado relevantes contribuições para o desenvolvimento da ciência. Para isso, são utilizados critérios como inserção nacional na área, relevância e impacto das pesquisas, produção científica e internacionalização.

Julie Cavignac está há quase 30 anos como professora da Universidade. Realizada, ela aconselha jovens pesquisadores a não desistirem dos seus sonhos: “não é fácil, mas tem que ir à luta!”.

Os vencedores do 6º Prêmio Pesquisador Destaque foram: na área de Ciências da Vida, o professor Raimundo Fernandes de Araujo Junior, do Departamento de Morfologia, do Centro de Biociências (CB); na área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias, a professora Rosângela de Carvalho Balaban, do Instituto de Química, do Centro de Ciências Exatas e da Terra (CCET);  e na área de Ciências Humanas, Sociais, Letras e Artes, a professora Julie Antoinette Cavignac, do Departamento de Antropologia, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). 

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