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Caminhão da UNRWA na fronteira de Rafah entre Egito e Gaza
 30/11/2023    Reuters/Mohamed Abd El Ghany/Proibida reprodução
© REUTERS/Mohamed Abd El Ghany/Proibida reprodução

Em meio à grave escassez de alimentos na Faixa de Gaza, os roubos cada vez mais violentos por parte de gangues criminosas são agora o principal obstáculo à distribuição de alimentos no sul do território, denunciam trabalhadores humanitários e habitantes.

Segundo a BBC, homens armados operam à vista das Forças de Defesa de Israel (FDI) numa área restrita perto da fronteira.

O Hamas – pressentindo uma oportunidade para recuperar o seu controle incerto – reativou uma força de segurança especial para combater o roubo e o banditismo.

Depois de gangsters terem roubado quase 100 caminhões da Organização das Nações Unidas (ONU), ferindo muitos condutores palestinos, no dia 16 de novembro – um dos piores furtos de ajuda durante a guerra – vários assaltantes morreram numa emboscada. Testemunhas revelaram à BBC que foram erguidas trincheiras e alvejados caminhões que tentavam chegar ao ponto de distribuição de ajuda.

Uma família criminosa de Gaza bloqueou na ocasião a principal estrada Salah al-Din que sai do ponto de passagem de Kerem Shalom, em Israel, durante dois dias na semana passada. 

“A lei e a ordem foram quebradas na área, em torno da passagem de Kerem Shalom, que continua a ser o principal ponto de entrada de mercadorias, e os grupos de saqueadores preenchem o vazio de poder”, afirmou Sam Rose, vice-diretor da UNRWA, a Agência da ONU para os Refugiados Palestinos.

“É inevitável, após 13 meses de conflito intenso, que as coisas desmoronem. ”À medida que o inverno começa, as autoridades humanitárias dizem que impedir o agravamento da situação é fundamental para satisfazer as enormes e crescentes necessidades da maior parte da população de 2,3 milhões de Gaza – agora deslocada para o centro e o sul.

“Trata-se de uma pilhagem tática, sistemática e criminosa”, afirmou Georgios Petropoulos, chefe do gabinete humanitário da ONU, a Ocha, em Gaza.

Para Petropoulos, os roubos estão levando a um excesso de violência em todas as direções – “dos saqueadores aos caminhoneiros, das Forças de Defesa de Israel para a polícia, e da polícia para os saqueadores”.

 O aumento da ilegalidade vem sendo registrado em Gaza desde que Israel começou a atacar agentes da polícia no início deste ano, alegando seu papel no governo do Hamas.

“O controle de segurança do Hamas caiu para menos de 20%”, disse à BBC o antigo chefe das investigações policiais do Hamas, acrescentando: “Estamos trabalhando num plano para restaurar o controlo para 60% dentro de um mês”.

Alguns moradores de Gaza deslocados no sul comemoram os esforços do Hamas contra os grupos criminosos.

“Matar os ladrões que roubaram ajuda é um passo na direção certa”, afirma o morador Mohammed Abu Jared. Atualmente, não existem alternativas para substituir o movimento que os líderes israelenses se comprometeram a destruir após os ataques de 7 de outubro de 2023.

Muitos veem as tentativas do Hamas de assumir a liderança contra a criminalidade como consequência direta do fracasso de Israel em chegar a acordo sobre um plano pós-guerra em Gaza.

O caos surge no momento em que a ajuda que entra em território palestino desceu para os níveis mais baixos desde o início da guerra.

Embora a ameaça de fome seja maior nas partes sitiadas do norte, onde Israel conduz uma nova e intensa ofensiva militar, no sul há também grande escassez de alimentos, medicamentos e outros bens.

“Os preços dos produtos básicos disparam – um saco de farinha custa mais de 190 euros (US$ 200), um único ovo custa quase 14 euros – ou então os produtos simplesmente não estão disponíveis”, diz Sam Rose, da UNRWA.

Todos os dias da passada semana, Umm Ahmed esteve com os filhos numa enorme fila à porta de uma padaria em Khan Younis, no sul de Gaza, onde finalmente são distribuídos alguns pães. “Os meus filhos passam muita fome todos os dias. Não podemos pagar o básico. É um sofrimento constante. Sem comida, sem água, sem produtos de limpeza, sem nada”, lamenta.

“Não queremos muito, apenas viver uma vida decente. Precisamos de alimentos. Precisamos que os bens cheguem e sejam distribuídos de forma justa. É tudo o que estamos pedindo.”

Os EUA têm pressionado Israel para que permita a entrada de mais caminhões de ajuda em Gaza.

No entanto, as autoridades israelenses dizem que a principal razão pela qual o seu objetivo de 350 veículos por dia não foi alcançado é a incapacidade da ONU e de outras agências de ajuda internacional em trazer número suficiente para os cruzamentos.

Os trabalhadores humanitários rejeitam isso. Pedem urgentemente o levantamento das inúmeras restrições de entrada impostas pelas autoridades israelenses e à abertura e segurança de mais pontos de passagem para que possam recolher e distribuir os produtos.

Para os trabalhadores humanitários, o colapso da ordem pública precisa ser resolvido e Israel, que ocupa a região, é obrigado a fornecer proteção e segurança. A BBC foi informada de que os assaltos ocorrem  muitas vezes à vista de soldados israelenses ou de drones de vigilância – mas que o Exército não intervém.

Aparentemente, os bens roubados estão sendo armazenados em outros países ou em armazéns localizados em áreas sob controle militar israelense.

As FDI não responderam aos pedidos da BBC para comentar a forma como combate o saque e o contrabando organizados.

No início da guerra, à medida que os alimentos se tornavam cada vez mais escassos, habitantes desesperados de Gaza eram vistos roubando caminhões de ajuda que chegavam.

Rapidamente, o contrabando de cigarro se revelou um grande negócio, com as gangues a impedirem comboios sob a mira de armas, depois de chegarem da passagem de Rafah, no Egito.

O cigarro pode ser vendido por valores exorbitantes em Gaza: enquanto um maço de 20 unidades custava cerca de 20 siclos (5,40 euros) antes da guerra, agora um único cigarro pode custar 180 siclos (mais de 48 euros).

O produto é encontrado dentro de armações de paletes de madeira e dentro de latas de alimentos fechadas, indicando que existe uma rede regional envolvida no contrabando.

Nas últimas seis semanas, as autoridades israelenses proibiram as importações comerciais, argumentando que elas beneficiam o Hamas. Isso contribuiu para a diminuição da oferta de alimentos, o que, por sua vez, impulsiona o aumento dos assaltos à mão armada. Os bens roubados, desde farinha a abrigos de inverno, enviados como donativos internacionais e destinados a serem distribuídos gratuitamente a pessoas necessitadas, só podem ser comprados a preços exorbitantes no mercado negro de Gaza.

Além disso, bens doados estão sendo retidos no Egito devido a atrasos na entrega de ajuda.

Nos últimos dias, relatos dos meios de comunicação locais sugerem que Israel analisa a opção de entregar ajuda a Gaza por meio de um fornecedor de segurança americano privado e armado.

Embora nada tenha sido anunciado oficialmente, os trabalhadores humanitários estão preocupados.

Georgios Petropoulos, da Ocha, questiona quais os países doadores que gostariam que os fornecimentos fossem distribuídos dessa forma. “Será seguro será realmente?“, pergunta. “Acho que será um vetor para mais derramamento de sangue e violência”.

*É proibida a reprodução deste conteúdo.
 

Agência Brasil

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