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O Ministério Público Federal (MPF) se posicionou a favor de a Maternidade Escola Januário Cicco, localizada em Natal, ser obrigada a incluir fisioterapeutas na equipe de suas UTIs neonatais e materna, durante todo o horário de funcionamento. Atualmente, as unidades de terapia intensiva chegam a contar com esses profissionais por apenas seis horas ao dia e, nos finais de semana, duas das três UTIs ficam “descobertas”, prejudicando o tratamento de bebês recém-nascidos e de suas mães, aumentando custos e desrespeitando a legislação.

A ação na qual foi oferecido o parecer é de autoria do Conselho Regional de Fisioterapia e tem como réus a UFRN e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que administra os hospitais da universidade. “Sem a equipe mínima necessária atuando de forma ininterrupta, a administração da Ebserh está descumprindo regra técnica de profissão e colocando mães e recém-nascidos em perigo”, resume o procurador da República Camões Boaventura, autor da manifestação do MPF.

No Ministério Público Federal já tramita, inclusive, um inquérito civil sobre o mesmo tema e, nele, já surgiram indícios da irregularidade apontada pelo conselho. Após denúncias, conselheiros comprovaram, em vistoria, que a assistência fisioterapêutica na UTI Adulta (materna) ocorre apenas de segunda a sexta-feira e por somente seis horas diárias (das 7h às 13h). Já na UTI Neonatal (Utin) a assistência é diária, mas limitada a 12 horas (7h às 19h). Enquanto na Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Canguru (Ucinca) ocorre por 12 horas, porém não aos finais de semana.

Legislação – De acordo com a ação civil, há uma flagrante violação às normas que regulamentam a assistência à saúde em unidades de terapias intensivas, “colocando em risco a vida de puérperas e bebês recém-nascidos”. A Lei Estadual 10.935/2021 estabelece a obrigatoriedade da assistência de fisioterapia em UTIs – seja adulto, pediátrica ou neonatal – de forma ininterrupta.

A Ebserh alega inconstitucionalidade da lei estadual, que a seu ver não poderia determinar exigências para um hospital pertencente a uma universidade federal, porém o parecer do MPF ressalta que o inciso 12 do artigo 24 da Constituição estipula que legislar sobre proteção e defesa à saúde se trata de competência concorrente, cabendo tanto à União, quanto aos estados.

Além disso, e afora a previsão constitucional do direito à saúde, há normas como a Resolução 07/2010 da Anvisa, que estabelece entre os requisitos mínimos para funcionamento de UTIs a atuação exclusiva de, no mínimo, um fisioterapeuta para cada 10 leitos ou fração, nos turnos matutino, vespertino e noturno, “perfazendo um total de mínimo de 18 horas diárias”.

O entendimento é reforçado pelas portarias 930/2012 e 895/2017 do Ministério da Saúde, que tratam respectivamente das diretrizes de atenção ao recém-nascido grave e da habilitação de leitos de terapia intensiva. “Não é, de modo algum, desarrazoada a exigência da presença do profissional de fisioterapia durante todo o período para assistência e acompanhamento da evolução dos pacientes internados nas UTIs”, observa Camões Boaventura.

Benefícios – Os procedimentos realizados pelo fisioterapeuta dentro de uma UTI interferem diretamente na evolução do paciente crítico, minimizando complicações e reduzindo o tempo de internação. Na Januário Cicco, hospital referência em UTI neonatal e em gravidez de alto risco, os recém-nascidos contam com esse profissional para atuação em três momentos distintos: no tratamento preventivo, nas crises de paradas cardiorrespiratória e na reabilitação.

Mesmo na UTI Materna, o fisioterapeuta ajuda a estimular a motricidade, evitando situações de acamamento prolongado; minimizando quadros dolorosos; prevenindo complicações vasculares; preparando a musculatura para partos de risco e reabilitação imediata de partos cesarianos; além de gerenciar a assistência ventilatória e a administração de oxigênio, entre outras ações de extrema relevância.

Economia – A presença de fisioterapeutas não só melhora a saúde dos pacientes, como resulta em diminuição de gastos públicos, já que acelera a alta, diminuindo o tempo de internação, de ventilação mecânica e os problemas associados à manutenção do paciente restrito ao leito, reduzindo até mesmo a necessidade de medicamentos (antibióticos, sedativos, dentre outros). Além dos custos imediatos, pacientes que não recebem os cuidados ideais evoluem com sequelas diversas que podem demandar serviços de reabilitação por décadas.

No Hospital Universitário Onofre Lopes – vizinho à maternidade e também administrado pela Ebserh – há presença de fisioterapia 24h nas UTIs. Já na Januário Cicco, os dados de óbitos por turno na UTI neonatal demonstram uma média maior à noite do que no período diurno. “Ainda que não possamos afirmar que as altas taxas de mortalidade na maternidade são explicadas unicamente pela ausência de assistência fisioterapêutica em todos os turnos (…), certamente a falta de cobertura integral de um dos profissionais fundamentais na composição da equipe multidisciplinar contribui para a manutenção do atual cenário.”

Inquérito – Além de ofícios solicitando informações à maternidade e à Ebserh, o MPF já havia levantado pesquisas científicas e dados sobre o tema. Uma reunião com fisioterapeutas, alguns dos quais trabalham ou já trabalharam nas UTIs da Januário Cicco, também foi realizada em 26 de abril e confirmou a carência de profissionais e os riscos decorrentes.

“Em nenhuma das UTIs vem sendo cumprido nem o período mínimo de cobertura orientado pela Anvisa de 18h diárias, de modo que não há assistência nos três turnos; nos finais de semana só há assistência fisioterapêutica na UTI Neonatal; e nos meses de férias ou em casos de adoecimento, a UTI Materna fica completamente sem fisioterapeuta. A situação é alarmante”, descreve o parecer do MPF.

Somado a isso, os fisioterapeutas que atuam nas UTIs infantis são, frequentemente, solicitados a se ausentar para realizar atendimentos em outros setores da maternidade, o que reforça a insuficiência do número de profissionais. “As demandas de uma UTI não são planejadas, mas urgentes e necessárias. Na ausência dos profissionais especializados quem vai desenvolver o seu trabalho?”, questiona o procurador da República.

Concurso – A falta de profissionais, destaca o MPF, poderia ser sanada pela Ebserh através da convocação dos aprovados em um concurso público já realizado, que segue em vigor e cuja validade foi prorrogada até 25 de abril de 2024. Na lista de espera, há fisioterapeutas aprovados na área de Fisioterapia Respiratória.

A ação civil tramita na Justiça Federal sob o número 0802159-52.2022.4.05.8400, confira aqui a íntegra do parecer do MPF.

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