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Em um estado normal, a proteína tau tem a função de reparar a estrutura dos neurônio - Foto: Reprodução

Um estudo liderado por pesquisadores brasileiros da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) desvendou o mecanismo por trás de um marcador genético associado ao maior risco para desenvolvimento de Alzheimer.

O artigo, publicado no último dia 25 na revista especializada Nature Aging, descreve como a presença de um ou dois alelos (como são chamadas as cópias de um determinado gene) de um gene conhecido como Apoe (apolipoproteína E) aumenta o risco de Alzheimer de três a 15 vezes.

Isso porque, segundo a pesquisa, esse gene acelera o acúmulo das proteínas beta amiloide e tau no cérebro, ligadas ao declínio cognitivo. O mecanismo pelo qual esse gene leva ao maior depósito de proteínas no cérebro é pela chamada hiperfosforilação (adição de uma molécula de fosfato na proteína).

Em um estado normal, a proteína tau tem a função de reparar a estrutura dos neurônios. Já na forma hiperfosforilada, ela falha na manutenção das estruturas deles, levando à morte celular.

Além disso, a presença de uma ou mais formas desse gene parece também acelerar o acúmulo de placas da proteína amiloide. Segundo o estudo, esses são os principais fatores responsáveis por provocar o dano cerebral e o declínio cognitivo associados ao Alzheimer.

Os achados são importantes, pois podem ajudar na detecção de pacientes com sintoma inicial de Alzheimer, uma vez que o paciente que carrega o gene pode descobri-lo por um exame de sangue.

O doutorando no departamento de bioquímica da UFRGS e aluno do curso de medicina na universidade, João Pedro Ferrari Souza, explica que 25% da população possui uma cópia do gene, e 1%, as duas, representando, assim, mais de um quarto da população com elevado risco para demência.

Ele faz uma ressalva, porém, que a presença dessa cópia não equivale aos casos de Alzheimer de origem hereditária, isto é, cujo gene ligado à condição foi passado aos descendentes, o que representa aproximadamente 10% dos casos.

A pesquisa foi parte do chamado período sanduíche de Souza nos Estados Unidos, quando o pós-graduando fica um ano em uma instituição estrangeira, sob a orientação de Eduardo Zimmer, da UFRGS, e Tharick Pascoal, da Universidade de Pittsburgh (EUA). Participaram também pesquisadores da Universidade McGill, no Canadá, e da Universidade de Gotemburgo, na Suécia.

No período de dois anos, foram avaliados 94 pacientes de Alzheimer de uma grupo de estudo chamado Triad (biomarcadores translacionais em envelhecimento e demência, em tradução livre), da Universidade McGill, no Canadá.

Os participantes foram submetidos a quatro análises distintas para verificar a presença das variantes ?4 do gene Apoe (lê-se variante epsilon 4 do gene apolipoproteína E): liquor (líquido cerebral na barreira crânio-cérebro), sangue, exames de imagem de ressonância magnética e PET-amiloide, um tipo de tomografia específica para placas de amiloide.

Os cientistas viram que a presença do alelo Apoe?4 potencializa os efeitos deletérios da proteína beta amiloide. “Ou seja, o Apoe?4 acelerava o efeito que o amiloide tinha no acúmulo da proteína tau. Os indivíduos que tinham um alelo tinham um risco de 3 a 4 vezes maior de desenvolver Alzheimer, e os dois alelos, de 12 a 15 vezes, comparado com os indivíduos que não carregavam”, afirma Souza.

Segundo ele, as novas drogas recém-aprovadas para o tratamento da fase inicial de Alzheimer, como o donanemabe, da Eli Lilly, e o lecanemab, da empresa Biogen, cuja ação é justamente na formação das placas amiloides, podem ser aliados à nova descoberta.

“Nós acreditamos que o ideal seria, nessas pessoas, combinar as terapias, isso é, você faz um exame para determinar que tem o marcador genético, o gene Apoe?4, e aí você pode saber qual vai ser o benefício específico do paciente com as novas drogas”, explica.

As drogas não estão ainda disponíveis no Brasil. A Eli Lilly ainda não pediu o registro do seu fármaco na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Até o começo deste semestre, também não havia prazo de quando o lecanemab poderia chegar ao país.

Por enquanto, os medicamentos disponíveis no país para tratamento de Alzheimer são os anticolinesterásicos (donepezil, galantamina e rivastigmina) e a memantina, voltados para a redução dos sintomas.

E, além disso, os ensaios clínicos dos medicamentos apresentaram efeitos colaterais importantes, embora raros, como edemas (inchaço) e hemorragias cerebrais.

Contudo, Souza está confiante de que a descoberta de sua equipe pode, inclusive, ajudar a pavimentar novos estudos para o desenvolvimento de drogas.

“Estes achados ajudam na compreensão desta condição neurodegenerativa importante que, em 2030, deve afetar mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo, com implicações diretas para o tratamento da doença de Alzheimer”, disse.

ANA BOTTALLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

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