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Congresso Nacional na Esplanada dos Ministérios em Brasília - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Quase um terço dos projetos de lei que tiveram urgência aprovada pelo Congresso Nacional entre fevereiro e setembro de 2023 está parado e ainda não foi votado. Os textos “furaram” a fila no Senado e na Câmara, mas, em vez serem apreciados nos plenários, estão nas gavetas. Especialistas ouvidos pelo Estadão acreditam que a falta de consenso entre os parlamentares e o uso político das propostas são os motivos para o “esquecimento” de propostas consideradas urgentes.

O regime de urgência é usado para apressar a tramitação e a votação de projetos. A partir do momento que o requerimento para dar celeridade a uma matéria é aprovado, a proposta legislativa não precisa passar por prazos e formalidades regimentais. Na prática, porém, quem decide o que será colocado em pauta ou não nos plenários são os presidentes da Câmara e do Senado.

Doutora em Ciência Política pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Graziella Testa afirma que uma das razões para o grande número de projetos estacionados no Congresso é centralidade da elaboração das pautas de votação na figura dos presidentes das Casas. Para ela, líderes partidários, que são figuras centrais na aprovação das urgências, deveriam ter maior participação no norteamento das deliberações diárias.

“Não vale a pena para o presidente pautar algum projeto que não tenha uma certa receptividade e que sabe que não vai ser aprovado. A escolha de não pautar esses temas que estão sob urgência é do presidente com diferentes graus de influência do colégio de líderes. Deveria haver instrumentos para que os líderes partidários tivessem uma influência mais efetiva no apontamento de itens para a pauta do plenário”, disse.

Na Câmara, 34 das 102 propostas consideradas urgentes entre fevereiro – mês em que teve início a nova legislatura no Congresso – e setembro aguardam para serem postas em discussão pelos parlamentares. No Senado, duas de 17 propostas ainda seguem em espera.

Dois textos estão na fila da Câmara há sete meses e não têm previsão para serem colocados em pauta. Um deles, de autoria do deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), propõe a implantação um botão de pedido de socorro em aparelhos celulares. Outro, protocolado pelo deputado Bruno Ganem (Podemos-SP), estabelece que pessoas presas e condenadas por crimes não violentos devem prestar serviços em abrigos de proteção a animais.

Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, algumas urgências são aprovadas pelos parlamentares em momentos onde assuntos estão sendo amplamente discutidos pela sociedade civil. Porém, por não serem votados, esses projetos acabam “esfriando” e perdem o potencial de serem discutidos. Um exemplo é um projeto de lei do deputado Rodrigo Gambale (Podemos-SP) que, diante da alta da violência dentro de escolas, propôs a criação de uma semana cultural para os estudantes. O texto teve o requerimento de urgência aprovado em agosto, mas ainda não foi colocado em discussão.

Falta de consenso e negociação por cargos

Uma dessas propostas paradas na Câmara é o PL das Fake News que, em 26 de abril, teve a urgência aprovada por 238 deputados. Porém, por conta da pressão de big techs, como Google, TikTok e Meta (controladora do Facebook), foi tirado da pauta de votação pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quatro dias depois de ter a sua tramitação acelerada. Até então, a proposta que prevê regras para plataformas digitais segue sem previsão para ser votada.

No Senado, os dois projetos na gaveta são de autoria do senador Dr. Hiran Gonçalves (PP-RR) e da deputada Maria do Rosário (PT-RS). A proposta de Hiran busca reverter uma medida provisória assinada por Lula no primeiro dia de mandato, que extinguia a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Após a pressão sofrida pelo governo após a aprovação da urgência, o governo negociou com o senador e publicou três decretos que recriaram o órgão – a promessa é que seja entregue ao Centrão. Apesar do movimento do Executivo, a proposta do parlamentar não foi arquivada e ainda pode ser votada.

Segundo o cientista político Tiago Valenciano, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o engavetamento do projeto mostra a dinâmica no Congresso. Especialista no sistema legislativo, ele observa que textos como o de Hiran podem servir como uma moeda de troca em negociações como indicação de emendas parlamentares ou negociação de cargos.

“Os regimes de urgência são um artifício do legislativo para acelerar a complexa, porém necessária, burocracia do processo legislativo. Eles podem surgir para levantar pautas quentes e para forçar a barra em algumas negociações com o governo ou contra o governo”, disse.

Todos os projetos são de autoria do Legislativo

Todos os 34 projetos considerados urgentes que estão paralisados no Congresso são de autoria de parlamentares. As propostas elaborados pelo Poder Executivo, com requerimento de urgência aprovado, foram apreciados pelas Casas. O último foi o projeto de lei complementar 136/2023, que prevê a compensação a Estados por perda com ICMS de combustíveis. Ele teve a urgência aprovada em 4 de outubro e foi votado no mesmo dia.

Segundo Joyce Luz, pesquisadora do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), núcleo ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) que acompanha o funcionamento diário do Congresso, o Legislativo priorizou a votação de pautas de autoria do governo, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária.

“A gente pode notar que o Legislativo teve uma pauta mais prioritária aos projetos do Executivo, deixando esses outros textos de lado. A gente está no início de um governo e, conforme o tempo vai passando, algumas outras pautas que não são do Executivo podem ser apreciadas”, afirmou.

Câmara e Senado dizem que projetos não estão parados

Em uma nota enviada ao Estadão, a Câmara dos Deputados afirmou que os 34 projetos de lei com urgência aprovada na Casa “não estão parados”, mas dependem de um acordo prévio dos líderes partidários para serem votados. “Antes de serem pautados, são debatidos entre as lideranças e os demais deputados para obtenção de consenso mínimo para votação”, disse. O Senado, por sua vez, informou que os dois textos que tiveram a tramitação acelerada estão prontos para serem deliberados, mas sem um prazo definido.

Gabriel de Sousa – Estadão Conteúdo

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