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Brasília (DF) 29/02/2024 – O Parque do Rodeador, que é o complexo de transmissão em ondas curtas da Rádio Nacional da Amazônia, celebra 50 anos em março deste ano. Para marcar a data, a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) vão promover duas lives para contar um pouco da história de um dos maiores parques transmissores de rádio da América Latina, em ondas médias e curtas.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
© Joédson Alves/Agência Brasil

O principal meio de comunicação da Amazônia não está localizado em nenhum ponto da mais extensa floresta tropical do planeta. É em uma zona rural nos arredores de Brasília que abriga o maior complexo de transmissão radiofônica do país, incluindo os transmissores em ondas curtas (OC) da Rádio Nacional da Amazônia, a única emissora do país que consegue ter alcance nacional e até internacional. Inaugurado em 11 de março de 1974, próximo à Brazlândia – região administrativa do Distrito Federal a cerca de 40 quilômetros (km) da capital da República – o Parque do Rodeador está completando 50 anos em 2024. A data está sendo celebrada com uma série de atividades promovidas pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

“Estamos falando da emissora de rádio mais potente da história do nosso país. Estamos falando do maior parque de transmissão de rádio do Brasil e de um dos maiores parques de transmissão de rádio da América Latina”, destaca Octavio Pieranti, professor do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e assessor da Secretaria de Políticas Digitais Presidência da República. Ele foi um dos participantes de uma live organizada pela EBC e pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), nesta quinta-feira (29), para contar a trajetória do projeto.

Pieranti é autor do livro Entre plantações de morangos, florestas e oceanos – arquivos esquecidos da Rádio Nacional recontam a origem da Radiobras, lançado em 2022. O livro conta justamente a história por trás da decisão do governo da época, em plena ditadura militar, de criar o mais ambicioso projeto de comunicações visto até então visto no país.

Com investimentos de cerca de US$ 15 milhões à época – que em valores corrigidos somariam cerca de R$ 500 milhões, segundo Pieranti -, o complexo tem nove transmissores em ondas curtas, que pesam cerca de 250 quilos (kg) cada um, além de dois transmissores de onda média (Rádio Nacional AM) e um transmissor FM (da Rádio Nacional FM de Brasília). A área abriga quatro conjuntos de antenas gigantes, sendo uma de ondas médias, com 142 metros de altura, além de mais três conjuntos com torres mais altas, atingindo 147 metros, e transmitem em ondas curtas. O projeto foi desenvolvido com os recursos mais modernos da época, para obter maior ganho, alcance da transmissão dos sinais de rádio e tinha a proposta de transmitir conteúdos em seis idiomas distintos, já que o sinal poderia ser captado muito além das fronteiras do país. Há até mesmo uma subestação de energia própria para alimentar o sistema de antenas e transmissores do parque.

Ondas curtas é o nome que se dá à faixa do espectro eletromagnético localizada aproximadamente entre três e 30 megahertz. São as únicas que permitem a transmissão radiofônica em vastas áreas da superfície terrestre, ultrapassando fronteiras.

Em 2018, o Parque do Rodeador foi oficialmente classificado como infraestrutura crítica de radiodifusão em situações de desastre, catástrofes naturais e emergenciais, quando a radiodifusão é utilizada como serviço complementar de comunicação. Esse enquadramento foi determinado pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). “Se, por algum motivo, cair o acesso à internet numa determinada região do país, cair a possibilidade de comunicação pelas redes tradicionais, vai ser possível, ainda assim, para o Estado brasileiro, chegar à população, por meio da Rádio Nacional da Amazônia”, explica Pieranti.

O nome Rodeador está nos registros de viajantes que cruzaram o Brasil em meados do século XVIII. Pesquisadores goianos e brasilienses, a partir de 1980, compilaram registros de viagens de D. Luis da Cunha Menezes. Em 1734, o então capitão-general da Capitania de Goiás atravessou o país, saindo de Salvador até onde hoje é a Cidade de Goiás, uma das mais antigas do país, para chegar lá, próximo da área onde hoje é Brasília.

“A presença do Rodeador está marcada na Estrada Real dos Goiases. Esse ambiente de inserção do Rodeador na história do Brasil é inspirador para pensar o que veio a se tornar esse lugar, em importância estratégica”, relata Fernando Paulino, professor da Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Associação Latino-Americana de Pesquisadores em Comunicação (Alaic).

Outra referência é a viagem de Francisco Adolfo Varnhagen, o visconde de Porto Seguro, que a pedido do então imperador D. Pedro II, atravessou do litoral ao Planalto Central descrevendo sua passagem pela mesma região onde viria ser construída a capital do país quase 100 anos depois. Seu estudo, publicado em livro – A Questão da Capital: marítima ou no interior? – teria influenciado a escolha de mudança da capital brasileira.

“No livro, ele aponta as vantagens em defesa da mudança capital, que influenciou vários discursos de Juscelino Kubitschek”, acrescenta Paulino.

O contexto de construção desse sistema de comunicação explica a preocupação com a grandeza da obra. O mundo estava em plena Guerra Fria, opondo Estados Unidos e União Soviética na disputa ideológica e militar entre capitalistas e comunistas.

“Era um dos momentos mais autoritários e repressivos da ditadura, durante o governo [Emílio Garrastazu] Médici, momento também da realização das obras faraônicas daquele período, como a Rodovia Transamazônica, a Ponte Rio-Niterói. É nesse contexto que se encaixa o parque do Rodeador”, conta Pieranti. Uma preocupação dos militares era a integração nacional e a ameaça comunista que vinha do norte, mais especificamente de Cuba.

“Falava-se que emissoras de países socialistas, ou seja, países inimigos do Brasil num contexto de Guerra Fria, chegavam à Amazônia, especialmente emissoras cubanas. O Estado brasileiro não conseguia fazer resistência a essa entrada. Em vários documentos, a ditadura militar se refere a essas transmissões como ‘irradiações alienígenas’, como se ela viesse do espaço, mas vinha de alguns quilômetros ao norte”.

Apesar do impulso geopolítico que deu cabo ao projeto, no decorrer dos anos 1970, o agravamento da crise econômica fez o Estado brasileiro reorientar as prioridades da Rádio Nacional da Amazônia, que passou a funcionar muito mais como fator de integração regional em um país de dimensões continentais.  

“A Rádio Nacional da Amazônia é responsável por universalizar a comunicação de massa. Naqueles pontos, no meio da floresta, onde é impossível ouvir uma rádio FM, chega o sinal da Nacional da Amazônia, transmitindo em ondas curtas. Ela é responsável por garantir o direito à comunicação de parte significativa da população”, destaca Pieranti.

“Nenhum país do mundo, que tem o tamanho do Brasil, renunciou às suas emissoras de ondas curtas, porque sabe que elas são estratégicas, até mesmo em questões de segurança”, argumenta Nélia Del Bianco, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Universidade de Brasília (UnB), e pesquisadora de políticas públicas de comunicação.

Um episódio trágico, em 2017, marcou a história do Parque do Rodeador. Uma sequência de raios atingiu a subestação de energia que alimenta o parque, forçando a Rádio Nacional da Amazônia, a operar em horário reduzido e e restringir o alcance do sinal, que ficou com apenas 5% da sua capacidade. O problema só foi resolvido em 2020.

“Esse acidente trouxe à luz a importância da Rádio Nacional da Amazônia. A emissora deixou de alcançar milhões de moradores em áreas rurais, ribeirinhas e fronteiriças da Região Amazônica. Aquele episódio levou caciques e líderes ribeirinhos a redigirem manifesto pedindo empenho para que se retornasse à rádio com sua potência original. É uma população que a gente às vezes não imagina, percorre dias de barco até a cidade mais próxima, então, a única forma de conectar-se ao mundo é pelo rádio”, observa Del Bianco. Ainda nos dias atuais, os ouvintes fieis da rádio na Amazônia têm uma uma relação afetiva com locutores, produtores e repórteres da emissora.

“Ainda é um veículo primordial para falar de temas complexos, como mudanças climáticas, como a seca que atingiu a Amazônia no ano passado”, diz a professora. Apesar do avanço do acesso à internet no país, na região Amazônica esse processo ainda é relativamente lento e desigual. “Não é possível pensar que iniciativas como a do Elon Musk e sua constelação de satélites da Starlink seja solução para os problemas de acesso à internet na região. Levantamentos da pesquisa mostram que 10% das escolas na Amazônia nem sequer têm energia elétrica”, afirma Nélia Del Bianco.

Agência Brasil

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