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Rio de janeiro 24-03-2024. Marielle Franco. Reprodução Mídias Socias.
© Foto Mídia NINJA

Mulheres negras e com origem em regiões periféricas consideram que as revelações mais recentes do caso Marielle Franco mostram que a atuação política delas é um risco, pelo fato de mostrarem resistência à ligação entre crime e agentes do estado. Nomes tidos como “herdeiros” das causas abraçadas pela vereadora assassinada há seis anos esperam que o desfecho do caso seja uma chance para acabar com a violência política no país.

Na manhã de domingo (24), a Operação Murder Inc. cumpriu três mandados de prisão preventiva e 12 mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), todos no Rio de Janeiro, relacionados à morte da vereadora e do motorista dela, Anderson Gomes.

Foram presos Domingos Brazão, atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro, o deputado federal Chiquinho Brazão, expulso nesta segunda-feira (25) do partido União Brasil/RJ, e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do RJ. Os irmãos Brazão seriam os mandantes do crime, e o delegado Rivaldo é acusado de ajudar no planejamento e dificultar a investigação.

A ação foi deflagrada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e pela Polícia Federal (PF).

Nascida no morro do São Carlo, a menos de um quilômetro de onde o carro de Marielle foi atingido por 13 tiros em uma noite de março, a deputada estadual Dani Monteiro (Psol) se tornou, aos 27 anos, a mulher mais jovem a ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

Segundo Dani Monteiro, “trabalhar por direitos humanos passa sempre por um embate contra interesses escusos de operadores do aparato estatal”. Ela diz acreditar que o Rio de Janeiro, desde a fundação, “é estruturado por grupos políticos que têm projeto de poder próprio e que se articulam de modo a manter as instituições sob seus domínios.

A deputada, que foi assessora parlamentar de Marielle, diz ver na investigação da PF que o Estado é o próprio gerador de insegurança, “pois promove violência em diversas modalidades, funcionando como parte de projetos de poder dessas pessoas que estão, há anos, operando politicamente e institucionalmente”.

“É claro que perceber tudo isso deve nos deixar alerta. Nosso trabalho gera exposição, gera riscos, mas precisa ser feito. Expor, debater e propor caminhos é o que deve resultar de tudo isso. É o que nós vamos seguir fazendo, disse à Agência Brasil.

“É claro que perceber tudo isso deve nos deixar alerta. Nosso trabalho gera exposição, gera riscos, mas precisa ser feito. Expor, debater e propor caminhos é o que deve resultar de tudo isso. É o que nós vamos seguir fazendo, disse à Agência Brasil.

A militante pelos direitos humanos e ex-deputada estadual (2018-2022) Mônica Francisco, que era assessora de Marielle na Câmara de Vereadores à época do crime, disse à Agência Brasil que recebeu com muita surpresa a notícia do envolvimento do delegado Rivaldo Barbosa no crime. “Era uma pessoa próxima a Marielle, de nós, ativistas de direitos humanos. A gente tinha o Rivaldo Barbosa como uma figura aliada, de muita cumplicidade e parceria”.

Rivaldo Barbosa foi a primeira autoridade a receber as famílias do motorista Anderson Gomes e Marielle após o assassinato.

Mônica lembra que ela e toda a equipe da vereadora foram diversas vezes à delegacia de homicídios serem interrogadas.

“Completamente descobertos, à mercê. A segurança que a gente tinha é de que havia, principalmente por parte do Rivaldo, uma possibilidade de um pouco mais de confiança nesse processo”, conta.

“Completamente descobertos, à mercê. A segurança que a gente tinha é de que havia, principalmente por parte do Rivaldo, uma possibilidade de um pouco mais de confiança nesse processo”, conta.

Ela classifica as prisões como uma constatação de que a morte de Marielle foi um crime político, perpetrado por setores da política completamente alinhados com setores da polícia. “Organizados em uma ação desse tamanho e tendo uma atividade pregressa no submundo do crime, tendo o escritório do crime no lugar de trabalho do chefe da Polícia Civil à época e umbilicalmente ligados”, aponta.

Essa ligação entre criminosos e autoridades faz com que Mônica veja a atuação dela e de ativistas como uma “atuação política de risco”.

“A gente está completamente descoberto. Acho que é uma necessidade muito grande de se rever a segurança pública no estado do Rio de Janeiro. Quem deveria proteger, combater e ser um aliado na luta contra a violência política é o próprio agente desse risco, é o próprio agente da violência perpetrada contra nós, principalmente sendo mulheres negras periféricas. A gente precisa de uma segurança pública que seja cidadã, que seja saneada”, avalia.

Para a deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ), que era amiga e companheira de militância de Marielle, muitos estados do país, especialmente o Rio de Janeiro, se organizam de forma que “crime e política são indissociáveis”.

“Isso é uma grande ameaça à democracia, a quem luta contra o domínio armado dos territórios, contra violência estatal, e a representantes políticos que expressam esse enfrentamento de forma mais contundente”, diz à Agência Brasil Talíria, que revela ter que andar com escolta e carro blindado por conta de ameaças de grupos de ódio e de milícias do Rio de Janeiro.

A deputada considera que o caso Marielle evidencia a urgência de enfrentar de forma contundente o poder das milícias. “Não dá para o crime governar em nenhum lugar”.Talíria informou que, ao lado de outros parlamentares, protocolou na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) contra as milícias. Pelo texto, crimes cometidos por grupos paramilitares com participação de agentes do Estado possam ter a investigação transferidas para a esfera federal.

“A PEC contra as milícias possibilita que a gente tire das mãos dos algozes a investigação de crimes cometidos por agentes do Estado. Milícia é o estado, mistura poderes político, econômico e armado. Os crimes cometidos por esses agentes não podem ser investigados por aqueles que estão envolvidos nesses esquemas. Por isso, a possibilidade de federalização, de deslocamento para Justiça Federal, é um avanço enorme para nossa democracia”, explica.

“A PEC contra as milícias possibilita que a gente tire das mãos dos algozes a investigação de crimes cometidos por agentes do Estado. Milícia é o estado, mistura poderes político, econômico e armado. Os crimes cometidos por esses agentes não podem ser investigados por aqueles que estão envolvidos nesses esquemas. Por isso, a possibilidade de federalização, de deslocamento para Justiça Federal, é um avanço enorme para nossa democracia”, explica.

A PEC precisa de ao menos 171 parlamentares para ser discutida na Casa.

A deputada estadual Renata Souza (Psol-RJ), que foi chefe do gabinete de Marielle na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, afirmou, em entrevista à TV Brasil, que recebeu as notícias com uma mistura de sentimentos. “Os sentimentos estão misturados, indignação, mas também alívio e esperança. É evidente que o feminicídio político da Marielle tem uma engrenagem muito aterrorizante da violência política no Rio de Janeiro, que é crime, polícia e política”.

Assim como Marielle, Renata foi criada no conjunto de favelas da Maré, no Rio.

“É fundamental que sigamos [pedindo] justiça para Marielle e para tantas outras mulheres negras, de favela, de periferia que tombam todos os dias diante de uma estrutura política que tem homens brancos criminosos, policiais, por trás dessa engrenagem tão cruel”.

“É fundamental que sigamos [pedindo] justiça para Marielle e para tantas outras mulheres negras, de favela, de periferia que tombam todos os dias diante de uma estrutura política que tem homens brancos criminosos, policiais, por trás dessa engrenagem tão cruel”.

A diretora executiva do Instituto Marielle Franco, Lígia Batista, classifica o dia das prisões dos irmãos Brazão e do delegado Rivaldo Barbosa como histórico. “Um dia que vai ficar marcado para sempre nessa caminhada e luta por justiça, não só para as famílias de Marielle e Anderson, mas para todas nós, pessoas que nos entendamos como sementes dessa luta”, disse em entrevista à Rádio Nacional, emissora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

O Instituto Marielle Franco foi criado após o assassinato, como forma de buscar justiça e manter vivo o legado de Marielle.

Lígia ressalta que a notícia de envolvimento de agentes públicos foi recebida com “indignação”.

“Essa fratura exposta que se tornaram esses assassinatos faz com que a gente precise, cada vez mais, questionar essa relação espúria entre polícia e política”. Apesar de reconhecer a importância das prisões, Lígia lembra que passados 6 anos, nenhum executor ou mentor do crime foi condenado pela Justiça. Ela pede que a condenação dos envolvidos seja um sinal de basta.

“É inaceitável que a lógica da nossa cultura política seja a do extermínio, seja a lógica que rechaça o embate de ideia e que admite, isso há bastante tempo no nosso país, a cultura da violência como a expressão máxima da nossa forma de construir reflexão política no país”, afirmou.

De acordo com as investigações da Polícia Federal (PF), o assassinato de Marielle Franco foi motivado por questões fundiárias envolvendo as milícias do Rio de Janeiro. O relatório da PF cita uma divergência entre Marielle Franco e o grupo político do então vereador Chiquinho Brazão em torno do Projeto de Lei (PL) 174/2016, que buscava formalizar um condomínio na zona oeste da capital fluminense.

Marielle e Anderson Gomes foram assassinados a tiros enquanto se deslocavam de carro após uma agenda de trabalho, em 14 de março de 2018, na região central do Rio de Janeiro.

Agência Brasil

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