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União dos Palmares (AL), 20/11/2023 - Festividades do Dia da Consciência Negra no Parque Memorial do Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
© Rovena Rosa/Agência Brasil

A dor tomou os olhares dos moradores de União dos Palmares (AL), que vivem o luto coletivo após a morte de 18 pessoas em um acidente com ônibus na Serra da Barriga, local considerado histórico para o Brasil e sagrado para religiões de matriz africana. As outras 30 pessoas embarcadas no veículo estão feridas. Os passageiros no ônibus da prefeitura visitariam o ponto mais alta da serra. A religiosa Mãe Neide Oyá D´Oxum, de 62 anos, moradora há mais de quatro décadas na região, tem um restaurante próximo ao local do acidente e testemunha que a cidade está profundamente abalada 

“Estamos vivendo um luto coletivo em um solo sagrado onde as pessoas vão reverenciar nossos ancestrais. Entendo que foi uma fatalidade. Esse projeto de visita à serra tem dado muita visibilidade ao Quilombo dos Palmares e pertencimento às pessoas que lutam pela causa negra”. Ela explica que, de fato, o percurso requer atenção e os motoristas fazem o trajeto com velocidade baixa para que se contemple a natureza.

O ônibus transportava pessoas que chegariam ao platô da Serra da Barriga para visitar o local histórico e considerado sagrado. Isso porque a prefeitura local promove o projeto “Pôr do Sol na Serra” e fornece o ônibus para a visita. A cidade estava mais movimentada por causa das celebrações do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. A Polícia Civil investiga se o veículo estava em condições para o serviço.

Segundo o professor Clébio Correia, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), as organizações do movimento negro estão profundamente abaladas com a tragédia. “Esse 20 de novembro foi, pela primeira vez, um feriado nacional. Todo o estado de Alagoas está de luto”.

A coordenadora do Instituto Raízes de Áfricas, Arísia Barros, também lamentou o acidente e lembrou que já teve medo das condições da estrada. “Uma vez, o carro em que estávamos rodopiou na pista, quando era estrada de barro”. O asfaltamento foi feito em 2019.  “Esse é o caminho diário de estudantes que descem para escola”, alertou.

O som das ambulâncias e os relatos que chegavam de um acidente na Serra da Barriga fizeram com que a jornalista alagoana Rayane Silva, de 27 anos, moradora de União dos Palmares (AL), saísse correndo de casa. Ela pegou garrafas de água e se disponibilizou a ajudar no resgate das vítimas do ônibus que despencou em uma ribanceira. “Muita gente da cidade foi até lá para ajudar os bombeiros”. 

“Estava tudo muito caótico”. Ela entende que a população foi fundamental para ajudar no resgate. Rayane explica que se trata de uma região de mata fechada e terreno muito íngreme. “Era muita pedra e estava bem escorregadio. As pessoas estavam sendo retiradas na mão e colocadas em macas com a ajuda da população. Geralmente, seis ou sete pessoas carregavam vítima por vítima. Não tenho ideia de quantas pessoas eu socorri”, testemunha a moradora que chegou ao local do acidente por uma estrada na parte mais baixa da serra.

A jornalista explica que, inicialmente, o resgate ocorria subindo com as vítimas. Depois, foram encaminhadas para uma estrada vicinal mais próxima de onde o ônibus caiu. “Confesso que depois que passou a situação, eu fui assimilando direito que eram as pessoas. Foi muito chocante. Eu me recordo de um rapaz que reconheceu o corpo da irmã. Ele ficou sentado ao lado”.

Rayane chegou a conversar com um guia turístico que estava no ônibus e desceu do veículo segundos antes de o ônibus ficar descontrolado e descer de ré pela mata. “Ele me relatou que quando o ônibus estava subindo a serra, todos escutaram um barulho como de uma mangueira estourando. O motorista (que morreu) parou o ônibus e pediu para o pessoal descer. Quando ele abriu a porta, esse rapaz foi o primeiro e único a descer”. Ela também testemunhou o resgate de uma gestante que teve o filho no Hospital da Mata no próprio domingo. 

Localizada no município de União dos Palmares, Zona da Mata do estado de Alagoas, a Serra da Barriga abrange área de aproximadamente 27,92 quilômetros quadrados (km²) e figura, desde 2017, como patrimônio cultural brasileiro inscrito no Livro do Tombo Histórico e no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico desde 1986. Em maio de 2017, a comunidade recebeu ainda o título de patrimônio cultural do Mercosul.

De acordo com o Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô, entidade vinculada à Associação Cultural Agentes de Pastoral Negros do Brasil, as vítimas seguiam para o Parque Memorial Quilombo dos Palmares para acompanhar o pôr do sol.

“Lamentamos ainda mais que essa tragédia marque o Mês da Consciência Negra com extrema tristeza e dor, num território de tanta importância histórica”, escreveu o movimento em nota de pesar. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, também destacou o impacto para a região. “Em um mês tão importante para todo o país, da Consciência Negra, sobretudo para a região do Quilombo dos Palmares, essa tragédia nos entristece ainda mais profundamente”.

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ainda no século 18, estabeleceu-se, na Serra da Barriga, no Quilombo dos Macacos, a sede do Quilombo dos Palmares. “Na paisagem natural e edificada, observa-se, ainda, grande quantidade de palmeiras que, segundo historiadores, deram origem ao nome Palmares”. 

Entre as características da Serra da Barriga estão nascentes que alimentam um açude e uma lagoa, denominada Lagoa dos Negros – segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), um dos lugares considerados sagrados pela comunidade, onde religiosos de matriz africana fazem rituais. 

“O Quilombo dos Palmares representa um marco na luta dos escravos no Brasil. Tal processo diz respeito aos ancestrais africanos que se manifestam nas formas imateriais de suas religiões, seus deuses, mitos, objetos sagrados de cultos, artefatos de uso cotidiano, alimentos, expressões culturais e alguns espaços geográficos mantidos por seus descendentes como locais sagrados ou de preservação da história das pessoas negras trazidas da África.”

Agência Brasil

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