Os eleitores franceses compareceram em massa às urnas neste domingo (30), no primeiro turno de uma eleição parlamentar antecipada que pode dar início ao primeiro governo de extrema-direita do país desde a Segunda Guerra Mundial, uma possível mudança radical no coração da União Europeia (UE).
O presidente Emmanuel Macron surpreendeu o país ao convocar a votação depois que sua aliança centrista foi esmagada nas eleições europeias deste mês pelo Rally Nacional (RN) de Marine Le Pen. O partido eurocético e anti-imigração era um pária há muito tempo, mas agora está mais perto do poder do que nunca.
As urnas foram abertas às 6h e fecharão às 16h (horário local) nas cidades pequenas e grandes, com término às 18h nas cidades maiores, quando são esperadas as primeiras pesquisas de boca de urna da noite e as projeções de assentos para o segundo turno decisivo uma semana depois.
A participação foi alta, destacando como a crise política da França energizou o eleitorado. Ao meio-dia, o comparecimento foi de 25,9%, em comparação com o percentual de 18,43% registrado há dois anos — o maior número de comparecimento comparável desde a votação legislativa de 1981, disse o diretor de pesquisa da Ipsos France, Mathieu Gallard.
O sistema eleitoral da França pode dificultar a estimativa da distribuição precisa de assentos na Assembleia Nacional de 577 lugares, e o resultado final não será conhecido até o final do segundo turno de votação, em 7 de julho.
“Vamos conquistar a maioria absoluta”, disse Le Pen em uma entrevista a um jornal na quarta-feira, prevendo que seu protegido, Jordan Bardella, de 28 anos, seria o primeiro-ministro.
Ela procurou desintoxicar um partido conhecido pelo racismo e antissemitismo, uma tática que funcionou em meio à raiva dos eleitores contra Macron, o alto custo de vida e as crescentes preocupações com a imigração.
Em Hénin-Beaumont, uma cidade no distrito eleitoral de Le Pen no norte da França, onde ela pode ser reeleita no primeiro turno, Denis Ledieu, de 67 anos, disse que as pessoas estavam sofrendo devido à desindustrialização de longo prazo da região.
“Então, se o [RN] lhes promete coisas, por que não? Eles querem experimentar, eu acho”, disse ele.
Em Garches, uma pequena cidade perto de Paris, uma mulher gritou “É vergonhoso, é vergonhoso” quando Bardella chegou para votar.
“Eles até convidaram os esquerdistas”, disse.
Do outro lado de Paris, na cidade de Meaux, Mylène Diop, de 51 anos, disse que votou na Nova Frente Popular, uma coalizão de esquerda montada às pressas e que ficou em segundo lugar nas pesquisas. Ela disse que essa era “a eleição mais importante” de sua vida.
“O RN está às portas do poder e você vê a agressividade das pessoas e o discurso racista que foi desencadeado”, disse ela.
Se o RN ganhar a maioria absoluta, a diplomacia francesa poderá entrar em um período de turbulência sem precedentes: com Macron – que disse que continuará na Presidência até o final de seu mandato em 2027 – e Bardella disputando o direito de falar pela França.
A França teve três períodos de “coabitação” – quando o presidente e o governo são de campos políticos opostos – em sua história pós-guerra, mas nenhum com visões de mundo tão radicalmente divergentes competindo no topo do Estado.
Bardella diz que desafiaria Macron em questões globais. A França poderia passar de um pilar da União Europeia para um espinho, exigindo um desconto de sua contribuição para o orçamento da UE, entrando em conflito com Bruxelas em relação aos empregos da Comissão Europeia e revertendo os apelos de Macron por uma maior unidade da UE em relação à defesa.
Uma vitória clara do RN também traria incertezas quanto à posição da França em relação à guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Le Pen tem um histórico de sentimento pró-Rússia e, embora o partido agora diga que ajudaria a Ucrânia a se defender contra os invasores russos, também estabeleceu limites, como a recusa em fornecer mísseis de longo alcance.
As pesquisas de opinião sugerem que o RN tem uma liderança confortável de 33% a 36% do voto popular, com a Nova Frente Popular em segundo lugar, com 28% a 31%, e a aliança centrista de Macron em terceiro, com 20% a 23%.
A Nova Frente Popular inclui uma ampla gama de partidos, desde a centro-esquerda moderada até o partido de extrema-esquerda, eurocético e anti-Otan France Unbowed, liderado por um dos oponentes mais violentos de Macron, Jean-Luc Melenchon.
É difícil prever como os números das pesquisas se traduzirão em assentos na Assembleia Nacional devido à forma como a eleição funciona, disse Vincent Martigny, professor de ciência política da Universidade de Nice e da Ecole Polytechnique.
Os candidatos podem ser eleitos no primeiro turno se obtiverem a maioria absoluta dos votos em seu distrito eleitoral, mas isso é raro. A maioria dos distritos eleitorais precisará de um segundo turno envolvendo todos os candidatos que receberam votos de pelo menos 12,5% dos eleitores registrados no primeiro turno. O primeiro colocado vence.
“Se o nível de participação for muito alto, pode haver um terceiro ou quarto partido que esteja entrando na disputa. Então, é claro que há um risco de voto dividido e sabemos que o voto dividido favorece o Rally Nacional”, disse Martigny.
Durante décadas, à medida que o RN foi ganhando popularidade, os eleitores e os partidos uniram forças para impedi-lo de conquistar o poder, mas isso pode não ser verdade desta vez.
(Reportagem adicional de Ardee Napolitano e Janis Laizans em Hénin-Beaumont e Clotaire Achi, Imad Creidi, Lucien Libert em Paris; Redação de Estelle Shirbon e Gabriel Stargardter)
É proibida a reprodução deste conteúdo.
Agência Brasil