O uso de aplicativos de transporte aumenta o acesso ao trabalho e a serviços públicos, mas revela também a desigualdade econômica entre as classes sociais. A conclusão é de um estudo divulgado nesta quarta-feira (4) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no Rio de Janeiro.
O levantamento analisou dados de 152 milhões de viagens realizadas na cidade do Rio de Janeiro entre 8 de março e 20 de dezembro de 2019. Os dados foram obtidos por meio de uma cooperação técnica com a Uber, uma das principais operadoras de aplicativos de transporte do país.
“O principal resultado que a gente encontra é que os serviços de mobilidade por aplicativo têm um grande potencial para aumentar o acesso da população ao emprego e outros tipos de atividades econômicas e serviços públicos”, disse à Agência Brasil Rafael Moraes Pereira, da Coordenação Geral de Ciência de Dados e Tecnologia da Informação do Ipea e um dos autores da pesquisa.
O levantamento analisou tanto o uso exclusivo do serviço de aplicativo quanto a utilização combinada, isto é, sendo a corrida de Uber um complemento do sistema de transporte público, composto por ônibus, trem e metrô.
O Ipea identificou que viagens curtas de aplicativo são capazes de fornecer níveis de acessibilidade muito mais altos que viagens de mesma duração realizadas por transporte público, devido ao menor tempo de espera pelo carro e maior velocidades média de deslocamento. Por exemplo, considerando uma viagem de 30 minutos e custo de até R$ 24, a acessibilidade média por carro de aplicativo é até sete vezes maior do que por transporte público.
Já considerando uma viagem de 60 minutos de Uber complementada por transporte público, a acessibilidade média de emprego aumenta 61%, quando a conta da viagem custa R$ 18. Já uma viagem mais cara, R$ 24, incrementa o acesso em 75%, aponta a pesquisa.
A constatação de que viagens mais longas permitem mais acesso a oportunidades de emprego se transformam em um indicador de desigualdade social, pois quanto maior a distância percorrida, mais alto fica o preço do trecho realizado com o carro de aplicativo.
“Essa questão financeira é a principal barreira para que o serviço de mobilidade por aplicativo beneficie também as pessoas de baixa em média renda”, avalia o pesquisador do Ipea.
Apesar de os dados que alimentaram o estudo serem de 2019, Rafael Pereira projeta que alguns comportamentos identificados na pesquisa têm a tendência de manutenção nos anos seguintes.
“Tem coisas que não mudam: os padrões de viagens e a barreira financeira de não dar conta de pagar o curso da viagem que são um impeditivo importante”.
Ele afirma que o teletrabalho, que ganhou relevância durante a pandemia, sempre foi muito restrito a pequenos grupos da população.
Pereira acrescenta que, antes mesmo de terem dificuldade para pagar uma viagem de Uber, os moradores entre os 40% mais pobres do Rio de Janeiro enfrentam barreiras para custear o próprio transporte público. Situação que, acredita o pesquisador, é semelhante em outras cidades do país.
“Com uma tarifa de ônibus que custa de R$ 4 a R$ 6, dependendo da cidade onde você está no Brasil, você ter que ir e voltar para o trabalho durante 22 dias úteis do mês. Isso tem um peso no orçamento familiar muito grande para as pessoas de baixa renda. Essa barreira financeira exclui as pessoas de usar o sistema de transporte público, de acessar oportunidade”.
Para o pesquisador, não existe uma solução única que consiga resolver os problemas relacionados à mobilidade. Entre os caminhos, ele aponta, estão a maior integração dos sistemas de transporte público e subsídio do poder público. Na visão dele, o modelo de financiamento exclusivamente com as receitas das tarifas pagas pelos passageiros não é sustentável economicamente em quase todas as cidades brasileiras.
“O sistema de transporte público beneficia toda a população das cidades, retira as pessoas dos carros, que geram mais congestionamento e poluição. Tem que receber subsídio, e isso precisa ser pago via impostos, via a sociedade como um todo, via cobrança de estacionamento para os automóveis nas áreas congestionadas, multas de trânsito”, sugere.
O pesquisador do Ipea defende ainda que as cidades desenvolvam centros comerciais em áreas periféricas, por exemplo, próximo a estações de trem. Isso permitiria que oportunidades de empregos surgissem em regiões mais afastadas.
O gerente de políticas públicas da Uber, Pedro Santos, participou da divulgação do estudo. Ele disse o compartilhamento de dados sobre a empresa é uma forma de colaborar com políticas públicas de mobilidade. Santos acrescentou que os serviços de viagens por motos e corridas de carro de aplicativo em grupo – modalidades oferecidas em algumas cidades do país – são formas de tornar mais acessíveis os custos dos deslocamentos. Além disso, destacou a importância da complementaridade com o sistema público de transporte.
“Os aplicativos não são substitutos. Então é reforçar esse papel complementar aos modais públicos, os transportes de alta capacidade. A gente acaba vendo nos dados do dia a dia o quanto a gente consegue, especialmente na primeira e última milhas (trechos do deslocamento) ser parceiro, um integrador, e atuar para complementar os outros modais e não os substituir”, disse.
Agência Brasil