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Saudosos veraneios; leia coluna de Erick Pereira

Erick Pereira fala sobre veraneio. Foto: José Aldenir/AGORA RN
Erick Pereira fala sobre veraneio. Foto: José Aldenir/AGORA RN

Dezembros e janeiros, pelo menos nesses trópicos, são meses em que depositamos expectativas. Ensejam encontros, reencontros, os autoenganos do recomeço e da renovação, a prática das virtudes e hábitos hedonistas, e, também, de singelos pecadilhos sob o beneplácito da aldeia.

Mas, a aldeia cresceu demais, tornou-se anárquica, ruidosa. Seus raros bairros planejados, já descaracterizados pela especulação imobiliária, transformaram-se em canteiros de obras verticais, e as ruas largas deram lugar a passagens estreitas com seus estacionamentos.

Anos atrás, costumava desfrutar da cidade nos janeiros modorrentos, quando parcela da população transitoriamente se muda para as praias. Hoje anda mais difícil desfrutar da calmaria da Natal da minha infância quando, nos longos dias ensolarados do verão, costumava fazer caminhadas ou dirigir sem rumo para melhor observar a velha cidade e seus moradores irredutíveis. O ar limpo, a persistência das pequenas vilas com suas construções dos anos 40, a irrupção de carroças de tração animal nas vias, o outrora comércio na Rio Branco, os cinemas decadentes, os ciclistas acidentais se aventurando na Potengi e adjacências, os transeuntes serenos, as noites silenciosas.

Nos atuais tempos de mudanças climáticas, sob chuva torrencial ou calor escaldante, andar a esmo pelas orlas com sua população sazonal pode ser também um exercício de conhecimento e, com um pouco de esforço, até de autoconhecimento. Afinal, espelhamos os outros e neles nos espelhamos no conjunto dos nossos relacionamentos, por amizade ou por mera formalidade. São todos “gente do meu conhecimento”, costumamos dizer.

Todos imersos na paisagem azul desta estação, dando um break para os problemas pessoais e as agruras que consternam a outra parte, a majoritária, da população. Um velho roteiro, em que buscamos contentamento nas trivialidades do balanço da rede, das caminhadas à beira-mar, das comilanças sem fim, dos tolos mexericos em surdina, das conversas nos alpendres, da retomada da leitura amena atrasada ou dos velhos hobbies que não persistimos. Há quem diga que a felicidade também é feita disso, e que nos momentos finais da existência as memórias mais triviais findam as mais insistentes.

Todos, dos mais aos menos abonados, nos parrachos ou varandas, pensamos ser diferentes no nosso ócio e nos superlativos de hospitalidade e gregarismo, pois também misturamos o trabalho com o tempo livre, elaboramos planos, fazemos negócios. Mas, numa era pós-moderna em que privilegiamos cada vez mais o tempo disponível e as atividades intelectuais e criativas em detrimento do trabalho exaustivo e dos processos físicos e repetitivos, temos que reaprender, inclusive nas férias e recessos, o que fazer com o excesso de tempo livre, como há muito alertou o sociólogo italiano Domenico De Masi.

Penso que não custa nadarmos contra a maré dos condicionamentos atávicos impostos por uma cultura social que deprecia a qualidade e privilegia o ócio banal. Por que não chamar os amigos autênticos, aqueles por quem nutrimos afeto e compartilhamos interesses? Por que não nos refugiarmos nas consolações da estética, sejam elas quais forem? Afinal, como observou Ferreira Gullar, a arte nasceu porque a vida não basta. O homem quer mais. Ah, mas como são saudosos os veraneios!

AgoraRN

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