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Erik Pereira: Vida possível

bandeira trans
Bandeira trans - Foto; reprodução

Aos nossos olhos, a vida vem se tornando cada vez mais precária – não são apenas os fatos que justificam a precariedade, mas a forma como conceituamos e interpretamos o mundo. Interpretamos o mundo na superfície, de modo que nossas primeiras impressões falam mais alto aos medos, intolerâncias, preconceitos. Eles não só dividem e demonizam o outro, mas discriminam o valor das vidas e distribuem o compromisso social de forma desigual. Matamos mais que muitas guerras, ainda assim fingimos que a nossa decantada cordialidade é um atributo verossímil. Sofremos da incapacidade de conviver.

Preconceitos matam. Negamos pesar, solidariedade, diálogo e autodeterminação a um contingente de seres que consideramos não passíveis de luto, existências que compartilham da humana transitoriedade e da incessante busca pelo sentido da vida. Reduzimos esses seres às identidades racial, ideológica, religiosa, de gênero. E mal nos damos conta, mal nos indignamos.

Foi assim que, final deste janeiro, precisamente no Dia da Visibilidade Trans, a sociedade recebeu o Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2023, da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Os resultados configuram “uma tragédia”, segundo o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida. Uma tragédia que vem se repetindo ao longo dos últimos anos. Pelo 15o ano consecutivo, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo.

Das 145 pessoas trans assassinadas em 2023, 14 a mais que um ano atrás, a maioria (94%) era mulher trans/travesti, jovem (entre 18 e 29 anos), preta ou parda (72%), pobre e morta com crueldade em locais públicos. Dados oficiais não são dispo- níveis no país sobre a violência contra esta população, de modo que tudo aponta para uma subnotificação expressiva. Paralelamente a essa calamidade, o Dossiê informa que nas instâncias do Legislativo houve aumento de ações antitrans e propostas que visam institucionalizar a transfobia. Hoje, há 77 leis municipais e estaduais antitrans em vigor em 18 estados.

Parcelas delirantes e influentes da população, especialmente grupos fundamentalistas religiosos e de gênero, com amparo na propagação de fake news, desinformação e discursos de ódio nas redes sociais, induzem pânico, enganos e crimes mediante a exaltação do mito da “ideologia de gênero”, e de uma suposta salvaguarda da integridade das mulheres cis e da proteção da infância dos riscos ou ameaças das pessoas trans. O ardil da narrativa consiste na omissão dos verdadeiros responsáveis pela violência estrutural contra meninas e mulheres. Pa- triarcado, racismo, misoginia e machismo se dão as mãos na violência contra mulheres, crianças, população LGBTQIA+, especialmente pessoas trans e travestis.

No presente estágio da civilização, persistimos negando a diversidade inerente à humanidade, acovardando-nos diante da existência de pessoas que fogem à norma e adotam um modo de vida que transpõe o binarismo sexual e de gênero. Persistimos, para além de negar que pessoas possam vivenciar e expressar sua identidade de gênero, coniventes com a violência específica e endêmica perpetrada contra pessoas trans e travestis, com sua morte social. Daí ser imprescindível falar sobre o tema e deixar falar – um passo essencial para a defesa dos direitos fundamentais e adoção de políticas públicas que transcendam a mera garantia de uma vida possível.

AgoraRN

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